Quilombolas rompem tratativas com o governo Lula sobre plano de expansão do Centro de Lançamento de Alcântara

Nota pública de entidades que representam os moradores afirma que o governo não estaria comprometido em ser transparente e titular os territórios. AGU diz que segue buscando uma solução pelo diálogo. Centro de Lançamento de Alcântara, no Maranhão REUTERS Entidades quilombolas romperam as tratativas com o governo Lula para uma possível expansão do Centro de Lançamento de Foguetes em Alcântara, no Maranhão. Compartilhe essa notícia no WhatsApp Compartilhe essa notícia no Telegram O anúncio foi feito por meio de uma nota pública de quatro entidades quilombolas, que alegam falta de representatividade, transparência e ainda falta de compromisso com a garantia de direitos dos povos tradicionais. "As entidades representativas das comunidades quilombolas de Alcântara comunicam publicamente sua retirada provisória do Grupo de Trabalho Interministerial. A permanência das representações quilombolas em tal fórum, como aqui justificado, não resultará na titulação das terras aos quilombolas, na sua inteireza e plenitude, conforme historicamente reivindicando. Ao contrário, transmite uma falsa noção de consulta realizada às comunidades quilombolas, legitimando propostas que desconsideram as normas internacionais de direitos humanos e as decisões judiciais já proferidas pelo Poder Judiciário", diz um trecho da nota. Centro de Lançamento de Alcântara (CLA) em atividade no Maranhão. Reprodução/TV Mirante O Grupo de Trabalho Interministerial (GTI), criado em 2023, tinha o objetivo de tentar aliar os interesses da Força Aérea Brasileira na expansão do CLA, sem a retirada de direitos das comunidades que já residem em Alcântara. Veja também: 'Medo de perder minha cidadania', diz quilombola que aponta direitos violados após construção do Centro de Lançamento de Alcântara Uma das principais reinvindicações é a titulação territorial das comunidades, o que, segundo os quilombolas, não tem sido uma prioridade do governo. "Não há qualquer sinalização por parte do governo em titular todo o território. A titulação do território é uma condição pra se avançar em qualquer negociação com o Estado. Colocamos isso desde a primeira reunião do GTI", afirmou Danilo Serejo, membro do Movimento dos Atingidos pela Base Espacial de Alcântara (MABE) e morador da comunidade de Canelatiua. Danilo Serejo, membro do Movimento dos Atingidos pela Base Espacial de Alcântara (MABE) Arquivo pessoal Os moradores alegam ainda que há poucos ou nenhum estudo técnico e econômico que justificaria a necessidade de expansão da base sobre o território das comunidades. "Não é admissível, nem jurídica, legal ou eticamente aceitável que se pretenda expulsar comunidades tradicionais de suas terras ancestrais em nome de uma expectativa de projeto, dada a completa ausência de estudos e dados reais sobre a proposta. Mais inadmissível ainda que o Estado brasileiro venha há mais de três décadas negando o direito de propriedade coletiva das comunidades quilombolas de Alcântara em prol de uma expectativa de mercado - aeroespacial - sustentada pelos militares, porém, sem qualquer base técnica e parâmetros/estudos econômicos públicos, conforme demonstrado nas reuniões do GTI. Não resta alternativa ao governo brasileiro, senão a imediata titulação do território, este sim, fundamentado e reconhecido em peças técnicas, acadêmicas e jurídicas amplamente conhecidas por órgãos governamentais", diz outro trecho da nota pública que comunicou a retirada dos quilombolas do GTI. Vista área do Aeroporto de Alcântara, localizado na área do Centro de Lançamento de Alcântara (CLA) Divulgação/Agência Espacial Brasileira Em nota, a Advocacia-Geral da União (AGU) informou que "entende que a atual ausência de estudos de viabilidade técnica e econômica" da forma como as comunidades pleiteiam, mas que isso não impede a continuidade do diálogo entre todos os atores envolvidos, nem significa que uma solução consensual não possa ser alcançada. "A AGU já está em contato com as entidades quilombolas e buscará nos próximos dias convencer os representantes das comunidades de que a manutenção do diálogo entre todos os atores envolvidos segue representando a melhor possibilidade de que seja encontrada uma convergência entre as propostas em discussão, bem como uma solução definitiva que compatibilize as legítimas pretensões de titulação territorial com a preservação e desenvolvimento do programa espacial brasileiro. A AGU ressalta que avanços significativos na controvérsia já foram obtidos por meio do diálogo estabelecido no GT, como a anuência de todos os órgãos federais para que toda a área pleiteada pelas comunidades seja imediatamente reconhecida como território remanescente de quilombolas", diz a AGU. CLA, interesses econômicos e Alcântara Em 2019, o governo federal assinou um Acordo de Salvaguardas Tecnológicas (AST) que permite que empresas estrangeiras privadas utilizem a Base de Alcântara para lançamento de foguetes. A Agência Espacial Brasileira (AEB) lançou um edital e quatro empresas

Quilombolas rompem tratativas com o governo Lula sobre plano de expansão do Centro de Lançamento de Alcântara

Nota pública de entidades que representam os moradores afirma que o governo não estaria comprometido em ser transparente e titular os territórios. AGU diz que segue buscando uma solução pelo diálogo. Centro de Lançamento de Alcântara, no Maranhão REUTERS Entidades quilombolas romperam as tratativas com o governo Lula para uma possível expansão do Centro de Lançamento de Foguetes em Alcântara, no Maranhão. Compartilhe essa notícia no WhatsApp Compartilhe essa notícia no Telegram O anúncio foi feito por meio de uma nota pública de quatro entidades quilombolas, que alegam falta de representatividade, transparência e ainda falta de compromisso com a garantia de direitos dos povos tradicionais. "As entidades representativas das comunidades quilombolas de Alcântara comunicam publicamente sua retirada provisória do Grupo de Trabalho Interministerial. A permanência das representações quilombolas em tal fórum, como aqui justificado, não resultará na titulação das terras aos quilombolas, na sua inteireza e plenitude, conforme historicamente reivindicando. Ao contrário, transmite uma falsa noção de consulta realizada às comunidades quilombolas, legitimando propostas que desconsideram as normas internacionais de direitos humanos e as decisões judiciais já proferidas pelo Poder Judiciário", diz um trecho da nota. Centro de Lançamento de Alcântara (CLA) em atividade no Maranhão. Reprodução/TV Mirante O Grupo de Trabalho Interministerial (GTI), criado em 2023, tinha o objetivo de tentar aliar os interesses da Força Aérea Brasileira na expansão do CLA, sem a retirada de direitos das comunidades que já residem em Alcântara. Veja também: 'Medo de perder minha cidadania', diz quilombola que aponta direitos violados após construção do Centro de Lançamento de Alcântara Uma das principais reinvindicações é a titulação territorial das comunidades, o que, segundo os quilombolas, não tem sido uma prioridade do governo. "Não há qualquer sinalização por parte do governo em titular todo o território. A titulação do território é uma condição pra se avançar em qualquer negociação com o Estado. Colocamos isso desde a primeira reunião do GTI", afirmou Danilo Serejo, membro do Movimento dos Atingidos pela Base Espacial de Alcântara (MABE) e morador da comunidade de Canelatiua. Danilo Serejo, membro do Movimento dos Atingidos pela Base Espacial de Alcântara (MABE) Arquivo pessoal Os moradores alegam ainda que há poucos ou nenhum estudo técnico e econômico que justificaria a necessidade de expansão da base sobre o território das comunidades. "Não é admissível, nem jurídica, legal ou eticamente aceitável que se pretenda expulsar comunidades tradicionais de suas terras ancestrais em nome de uma expectativa de projeto, dada a completa ausência de estudos e dados reais sobre a proposta. Mais inadmissível ainda que o Estado brasileiro venha há mais de três décadas negando o direito de propriedade coletiva das comunidades quilombolas de Alcântara em prol de uma expectativa de mercado - aeroespacial - sustentada pelos militares, porém, sem qualquer base técnica e parâmetros/estudos econômicos públicos, conforme demonstrado nas reuniões do GTI. Não resta alternativa ao governo brasileiro, senão a imediata titulação do território, este sim, fundamentado e reconhecido em peças técnicas, acadêmicas e jurídicas amplamente conhecidas por órgãos governamentais", diz outro trecho da nota pública que comunicou a retirada dos quilombolas do GTI. Vista área do Aeroporto de Alcântara, localizado na área do Centro de Lançamento de Alcântara (CLA) Divulgação/Agência Espacial Brasileira Em nota, a Advocacia-Geral da União (AGU) informou que "entende que a atual ausência de estudos de viabilidade técnica e econômica" da forma como as comunidades pleiteiam, mas que isso não impede a continuidade do diálogo entre todos os atores envolvidos, nem significa que uma solução consensual não possa ser alcançada. "A AGU já está em contato com as entidades quilombolas e buscará nos próximos dias convencer os representantes das comunidades de que a manutenção do diálogo entre todos os atores envolvidos segue representando a melhor possibilidade de que seja encontrada uma convergência entre as propostas em discussão, bem como uma solução definitiva que compatibilize as legítimas pretensões de titulação territorial com a preservação e desenvolvimento do programa espacial brasileiro. A AGU ressalta que avanços significativos na controvérsia já foram obtidos por meio do diálogo estabelecido no GT, como a anuência de todos os órgãos federais para que toda a área pleiteada pelas comunidades seja imediatamente reconhecida como território remanescente de quilombolas", diz a AGU. CLA, interesses econômicos e Alcântara Em 2019, o governo federal assinou um Acordo de Salvaguardas Tecnológicas (AST) que permite que empresas estrangeiras privadas utilizem a Base de Alcântara para lançamento de foguetes. A Agência Espacial Brasileira (AEB) lançou um edital e quatro empresas foram habilitadas. Brasil e EUA fecham acordo sobre uso da base de lançamentos de Alcântara, no Maranhão Em março de 2023 aconteceu o primeiro lançamento, por parte da empresa sul-coreana Innospace. O foguete HANBIT-TLV foi lançado do Centro de Lançamento de Alcântara (CLA), em um que voo durou 4 minutos e 33 segundos, de forma bem sucedida. A operação no Brasil visa confirmar a capacidade de enviar, futuramente, um nanosatélite para o espaço a partir do CLA. O projeto se chama "SISNAV" e está inserido dentro do Sistema de Navegação e Controle (SISNAC), previsto para o Veículo Lançador de Microssatélites (VLM) da Força Aérea Brasileira (FAB), focado em órbitas baixas. VÍDEO: Foguete sul-coreano é lançado no Centro de Lançamento de Alcântara, no MA Esse e outros projetos indicam que a FAB pretende ampliar as atividades no CLA, o que demandaria uma expansão no uso do território de Alcântara, onde muitas comunidades quilombolas residem ou já foram remanejadas desde a construção do Centro de Lançamento, na década de 80. Na época, a construção da Base de Lançamento de Foguetes levou um território de 52 mil hectares a ser declarado como de “utilidade pública", e a retirada das comunidades se deu de forma que muitos moradores ficaram sem acesso a recursos naturais. As disputas territoriais seguem até hoje. Alcântara é o município que tem o maior número de comunidades quilombolas do país, com mais de 17 mil pessoas, distribuídas em quase 200 comunidades. Alcântara é o município brasileiro com maior número de comunidades quilombolas, segundo lideranças locais Divulgação/Conaq Em abril de 2023, o advogado-geral da União, ministro Jorge Messias, pediu desculpas aos quilombolas e reconheceu que o Brasil violou os direitos à propriedade e proteção judicial das comunidades de Alcântara, durante a construção e implementação dos projetos da Base de Lançamento de Foguetes. O pedido foi feito durante o julgamento do caso na Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) que aconteceu no Chile. O ministro atribuiu o problema ao fato do Brasil não ter finalizado o processo de demarcação do território quilombola de Alcântara e pela demora das instâncias judiciais e administrativas para permitir que as famílias pudessem fazer uso das terras demarcadas. Advogado-geral da União, Jorge Messias, durante julgamento do Brasil na Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH). Reprodução